Tempos modernos…. Casamento ou União Estável? Tanto faz.

Em 10 de maio de 2017, os ministros do STF – Supremo Tribunal Federal declararam inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, que estabelece diferenças entre a participação do companheiro e do cônjuge na sucessão dos bens, afastando qualquer discriminação verificada no tratamento diferenciado entre pessoa na condição de cônjuge ou na condição de companheiro.

A decisão da Suprema Corte considerou o artigo 1.790, do Código Civil, dissonante da Constituição Federal/88:

Lei nº 10406/2002. Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I– se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II– se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III– se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

A tese foi aprovada pelo STF, com repercussão geral, através de decisão proferida no julgamento de dois Recursos Extraordinários (RE 878694 tratou de união de casal heteroafetivo e o RE 646721 abordou a sucessão em uma relação homoafetiva).

A diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros não é mais válida, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829, do Código Civil”:

Lei nº 10406/2002. Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III- ao cônjuge sobrevivente;

Dessa forma, tem-se sacramentada a equiparação entre cônjuge e companheiro para fins de participação na sucessão dos bens de toda ordem. Ou seja, os adquiridos na constância da união estável, bem como àqueles adquiridos preteritamente.

De um lado, 10 Ministros votaram pela inconstitucionalidade do artigo 1.790, do Código Civil, por violar princípios como os da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da vedação ao retrocesso. De outro lado, o voto vencido do Ministro Marco Aurélio entendendo que a Constituição Federal reconhece a união estável e o casamento como situações de união familiar, mas não abre espaço para a equiparação entre ambos, sob pena de violar a vontade dos envolvidos, e assim, o direito à liberdade de optar pelo regime de união. (Ministro Marco Aurélio Mello).

Os ministros Ricardo Lewandowski e, em sessão anterior o Ministro Dias Toffoli, votaram com o Ministro Marco Aurélio, este último ainda fundamentou seu voto “citando a Presidente da ADFAS, Regina Beatriz Tavares Silva em artigo publicado no Estadão – O afeto será prejudicado pelo STF”, a decisão tomada pelo STF impede as pessoas de exercerem livremente o direito de amar”.

Tempos modernos transformaram relações afetivas em complexos “jogos estratégicos”, pois a obviedade que se constata é que o medo da convivência e seus compulsórios resultados jurídicos, impedirão a entrega, a proximidade, a leveza, a confiança e a liberdade de poder se relacionar com alguém sem que isso se torne um “casamento”.

Cautelosamente, as relações serão municiadas “tecnicamente” para assegurar a vontade própria e resguardar o patrimônio pretérito, uma vez que a decisão da Suprema Corte retirou das pessoas o direito e o romantismo de decidir por se casar ou não.

Resta-nos rogar por irretocável razoabilidade e pela elevação da prudência de nossos Magistrados na análise do caso concreto, para formação de futuros entendimentos que legitimarão os incontáveis pedidos de reconhecimento de uniões estáveis, sobretudo pelos Juízos de primeira instância, cuja responsabilidade em decisões dessa natureza se vê ampliada mormente, considerando a repercussão em direitos patrimoniais reunidos, não raramente, por décadas de trabalho de uma família.

O artigo 1.723, do Código Civil tenta elucidar:

Lei nº 10406/2002. Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

À parte e, sem debater se somos ou não uma sociedade preconceituosa, o fato é que desde 1988 qualquer postura que caracterize uma afronta ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana é vergonha nacional, então, evoluídos que somos, já sedimentamos o entendimento acerca de tão ultrapassada expressão, portanto, onde lemos “entre homem e mulher” entendemos “entre pessoas”.

Ultrapassada a polêmica do “casal”, um temor racional se instaura, face a factível utilização de critérios objetivos para o reconhecimento de uma união estável com base em uma relação entre duas pessoas e que envolve, principalmente, sentimentos, emoções e intenções presentes no universo pessoal de cada um e, considerada a particular subjetividade, o animus para constituir família com o outro nem sempre será recíproco. Dessa forma, delicada é a decisão que consegue reconhecer um quadro retratado a partir de um esboço com linhas tênues e de difícil nitidez, em detrimento da fisionomia real de um relacionamento.

Pertinente é a apreensão quanto aos direitos sucessórios que exigem um personagem chamado de cujus o qual, salvo tenha salvaguardado o patrimônio através dos mecanismos jurídicos de praxe, não poderá confirmar a presença ou a ausência do affectio maritalis, ficando tal alegação para o protagonista remanescente da relação findada pelo evento morte, que, via de regra, sustentará, unilateralmente, um propósito mútuo de constituição de uma entidade familiar.

Celebrando o espetacular Milton Nascimento, hoje, de fato, Qualquer maneira de amor vale à pena, considerando que o “SIM”, tão importante desde tempos longínquos, foi mitigado ao “pouco importa”, da atualidade.

Em que pesem a criação e a manutenção do que podemos chamar de “institutos limítrofes”, tais como namoro simples, namoro qualificado, noivado e etc, não há se falar em segurança jurídica nas relações afetivas já que as pessoas poderão receber esta ou aquela nomenclatura para o seu relacionamento com impactantes consequências patrimoniais, através de um Juiz não exatamente de “paz”.

Registrem-se aqui a reverência à nobre Decisão e, sobretudo, o máximo respeito à união que se constitui na verdadeira entidade familiar como um todo, seja pelo instituto do casamento, seja pelo instituto da união estável.

Que, em ambos os institutos, a estabilidade seja incontestável consequência consolidada pelo claro e mútuo querer em se constituir uma família “até que a morte os separe” ou não, sendo esta singular fisionomia e que não se confunde com incontáveis “estabilidades”, postumamente, buscadas e movidas por interesses patrimoniais, para a obtenção de “direitos” oportunizados por sentença que decrete o proveitoso “até que a morte os una”.

 
Solange Maria dos Anjos de Abreu
Professora e Advogada na hsabreu Advogados.